Resumo da Lei - Em 9 pontos

1.

Obrigação de Criação de Canais de Denúncias Internas

As denúncias de infrações são apresentadas pelo denunciante através dos canais de denúncia interna ou externa (geridos por autoridade competentes), ou ainda mediante divulgação pública. Ressalva-se que o denunciante só pode recorrer a canais de denúncia externa quando:

  1. Não exista canal de denúncia interna;
  2. O canal de denúncia interna admita apenas a apresentação de denúncias por trabalhadores, não o sendo o denunciante;
  3. Tenha motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente conhecida ou resolvida a nível interno ou que existe risco de retaliação;
  4. Tenha inicialmente apresentado uma denúncia interna sem que lhe tenham sido comunicadas as medidas previstas ou adotadas no prazo máximo de três meses a contar da data de receção da denúncia;
  5. A infração é constituída crime ou contraordenação punível com coima a 50.000,00€.

Todavia, todas as pessoas coletivas, incluindo o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público, que empreguem 50 ou mais trabalhadores estão obrigados a criar canais de denúncia interna. Esta obrigação é também aplicável a todas as pessoas coletivas que desenvolvam a sua atividade nos domínios dos serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.​

Esta obrigação deverá ser concretizada até ao dia 18 de junho de 2022, data em que a Lei nº 93/2021 entrará em vigor, sob pena de aplicação de diversas contraordenações (ver ponto 9 e 10 deste artigo).​

Ficam excluídas desta obrigação as autarquias locais que, não obstante empreguem 50 ou mais trabalhadores, tenham menos de 10.0000 habitantes e note-se que, quanto a entidades obrigadas que não sejam de direito público e que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores, estas podem partilhar recursos no que respeita à receção de denúncias e ao respetivo seguimento. 

2.

Finalidade dos Canais de Denúncia

Permitem a apresentação e o seguimento seguro das denúncias, a fim de garantir a exaustividade, integridade e conservação da denúncia, a confidencialidade da identidade ou o anonimato dos denunciantes e a confidencialidade de identidade de terceiros mencionados na denúncia, e ainda impedir o acesso de pessoas não autorizadas.

Deve ser garantida a independência, a imparcialidade, a confidencialidade, a proteção de dados, o sigilo e a ausência de conflitos de interesse no desempenho das funções.

3.

Quem Pode Denunciar

  • Os trabalhadores do setor privado, social ou público;
  • Os prestadores de serviços, contratantes, subcontratantes e fornecedores, bem como quaisquer pessoas que atuem sob a sua supervisão e direção;
  • Os titulares de participações sociais e as pessoas pertencentes a órgãos de administração ou de gestão ou a órgãos fiscais ou de supervisão de pessoas coletivas, incluindo membros não executivos;
  • Voluntários e estagiários, remunerados ou não remunerados.

Nota importante: não obsta à denúncia ou à divulgação pública de uma infração, o fundamento das informações terem sido obtidas numa relação profissional entretanto cessada, bem como durante o processo de recrutamento ou durante outra fase de negociação pré-contratual de uma relação profissional constituída ou não constituída.

4.

Objeto e Conteúdo da Denúncia

A denúncia ou divulgação pública pode ter por objeto infrações cometidas, que estejam a ser cometidas ou cujo cometimento se possa razoavelmente prever, bem como tentativas de ocultação de tais infrações, designadamente no âmbito de:

  • Contratação pública; 
  • Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;
  • Segurança e conformidade dos produtos;
  • Segurança dos transportes;
  • Proteção do ambiente;
  • Proteção contra radiações e segurança nuclear;
  • Segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;
  • Saúde pública;
  • Defesa do consumidor;
  • Proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação;
  • A criminalidade violenta, especialmente violenta e altamente organizada.

Assim, este tipo de denúncias não se encontra previsto para situações de assédio, existindo já canais próprios e obrigatórios por lei nessa sede.

5.

Forma e Admissibilidade de Denúncia Interna

São admitidas denúncias escritas e/ou verbais, por identificação do denunciante ou no anonimato. A denúncia verbal implica a sua apresentação por telefone ou através de outros sistemas de mensagem de voz e, a pedido do denunciante, em reunião presencial. Pode ainda ser apresentada com recurso a meios de autenticação eletrónica com cartão de cidadão ou através da chave móvel digital.

6.

Procedimentos a Adotar em caso de receção da denúncia

  • Notificar, no prazo de sete dias, o denunciante da receção da denúncia, informando-o de forma clara e acessível, dos requisitos, autoridades competentes e forma e admissibilidade da denúncia externa;
  • Praticar os atos internos adequados à verificação das alegações aí contidas (apurar a credibilidade, recolha de prova e inquirições) e, se for o caso disso, à cessação da infração denunciada, inclusivé através da abertura de um inquérito interno ou da comunicação à autoridade competente para investigação da infração (como o Ministério Público, órgão da polícia criminal, entre outros);
  • Comunicar ao denunciante as medidas previstas ou adotadas para dar seguimento à denúncia e a respetiva fundamentação, no prazo máximo de três meses a contar da data da receção da denúncia;
  • Comunicar o resultado e apuramento das consequências: deverá existir uma completa documentação dos resultados obtidos, fundamentos e conclusões retiradas;
  • Ressalvamos que deverá existir um trabalhador/funcionário (que no caso seja terceiro à situação denunciada) responsável pelo tratamento de denúncias, tendo recebido formação adequada nesse sentido;

7.

Disposições Aplicáveis a Denúncias Internas e Externas

  • Confidencialidade e acesso restrito a dados: quanto à identidade do denunciante, bem como todas informações das quais é possível deduzir a identidade. Note-se que só é possível revelar a identidade do denunciante no decurso de obrigação legal ou de decisão judicial;
  • Tratamento dos dados pessoais: observando o disposto no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, nomeadamente quanto ao tratamento de dados pessoais para efeitos de prevenção, deteção, investigação ou repressão de infrações penais ou de execução de sanções penais, ressalvando-se que os dados pessoais que manifestamente não forem relevantes para o tratamento da denúncia não são conservados, devendo ser imediatamente apagados;
  • Conservação das denúncias: mantendo um registo das denúncias recebidas e conservá-las, pelo menos, durante o período de cinco anos e, independentemente desse prazo, durante a pendência de processos judiciais ou administrativos referentes à denúncia.

8.

Medidas de Proteção do Denunciante

1. Proibição de retaliação contra o denunciante: proíbe-se todo o ato ou omissão que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional e motivado por uma denúncia interna, externa ou divulgação pública, cause ou possa causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não patrimoniais;

Nota Importante: presumem-se motivados por denúncia, até prova em contrário, os seguintes atos, quando praticados até dois anos após a denúncia ou divulgação pública:

a) Alterações das condições de trabalho, tais como funções, horário, local de trabalho ou retribuição, não promoção do trabalhador ou incumprimento de deveres laborais;

b) Suspensão de contrato de trabalho;

c) Avaliação negativa de desempenho ou referência negativa para fins de emprego;

d) Não conversão de um contrato de trabalho a termo num contrato sem termo, sempre que o trabalhador tivesse expectativas legítimas nessa conversão;

e) Não renovação de um contrato de trabalho a termo;

f) Despedimento;

g) Inclusão numa lista, com base em acordo à escala setorial, que possa levar à impossibilidade de, no futuro, o denunciante encontrar emprego no setor ou indústria em causa;

h) Resolução de contrato de fornecimento ou de prestação de serviços;

i) Revogação de ato ou resolução de contrato administrativo, conforme definidos nos termos de Código do Procedimento Administrativo.

A sanção disciplinar aplicada ao denunciante até dois anos após a denúncia ou divulgação pública presume-se abusiva.

Relembrar que o Código de Trabalho, na sequência da Lei nº 73/2017, de 16 de agosto consagrou, no nº 6 do seu artigo 29º, a proibição de sancionar disciplinarmente o trabalhador denunciante de assédio, ou as testemunhas por si arroladas, com base em declarações ou factos constantes dos autos de processo judicial ou contraordenacional motivado pela denúncia, antes da respetiva decisão final.

Por outro lado, é entendimento jurisprudencial que o trabalhador ao denunciar não está a violar o dever de lealdade para com o empregador, contudo, uma vez efetuada a denúncia, competir-lhe-á provar a veracidade dos factos denunciados, sob pena de, não o fazendo, estar a violar os deveres de lealdade, respeito e de defesa do bom nome da entidade patronal.

2. Proteção Jurídica: podendo beneficiar das medidas para proteção de testemunhas em processo penal;

3. Garantias de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interessas legalmente protegidos;

4. Não aplicação de responsabilidade disciplinar, civil, contraordenacional ou criminal nos casos de denúncia ou divulgação pública de infrações feitas de acordo com os requisitos impostos pela lei.

9.

Contraordenações e Coimas Previstas

Constitui contraordenação muito grave, punível com coimas de 1.000,00€ a 25.000,00€ ou de 10.000,00€ a 250.000,00€ consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva:

  1. Impedir a apresentação ou o seguimento de denúncia;
  2. Praticar atos retaliatórios;
  3. Não cumprir o dever de confidencialidade;
  4. Comunicar ou divulgar publicamente informações falsas.

Constitui contraordenação grave, punível com coimas de 500,00€ a 12.500,00€ ou de 1.000,00€ a 125.000,00€, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva:

  1. Não dispor de canal de denúncia interno;
  2. Dispor de um canal de denúncia interno sem garantias de exaustividade, integridade ou conservação de denúncias ou de confidencialidade da identidade ou anonimato dos anunciantes ou da identidade de terceiros mencionados na denúncia, ou sem regras que impeçam o acesso a pessoas não autorizadas;
  3. A receção ou seguimento de denúncia em violação dos requisitos de independência, imparcialidade e de ausência de conflitos de interesse;
  4. Dispor de canal de denúncia interno que não garanta a possibilidade de denúncia a todos os trabalhadores, não garanta a possibilidade de apresentar denúncia com identificação do denunciante ou anónima, ou que não garanta a apresentação da denúncia por escrito, verbalmente ou de ambos os modos;
  5. Recusar reunião presencial com o denunciante em caso de admissibilidade de denúncia verbal;
  6. A não notificação ao denunciante da receção da denúncia ou dos requisitos para apresentação de denúncia externa, no prazo de sete dias;
  7. A não comunicação ou comunicação incompleta ou imprecisa ao denunciante dos procedimentos para apresentação de denúncias externas às autoridades competentes;
  8. A não comunicação ao denunciante do resultado da análise da denúncia, se este a tiver requerido;
  9. Não dispor de canal de denúncia externa;
  10. Dispor de um canal de denúncia externa que não seja independente e autónomo, ou que não assegure a exaustividade, integridade, confidencialidade ou conservação da denúncia, ou que não impeça o acesso a pessoas não autorizadas;
  11. Não designar funcionários responsáveis pelo tratamento de denúncias;
  12. Não ministrar formação aos funcionários responsáveis pelo tratamento das denúncias;
  13. Não analisar, a cada três anos, os procedimentos para receção e seguimento de denúncias, a fim de verificar se são necessárias correções ou se podem ser introduzidas melhorias;
  14. Não dispor de canal de denúncia externa que permita, em simultâneo, a apresentação de denúncias por escrito, verbalmente, com identificação do denunciante ou anónimas;
  15. Recusar reunião presencial com o denunciante;
  16. Não publicar os elementos referidos nas alíneas a) a h) do artigo 16º em secção separada, facilmente identificável e acessível dos respetivos sítios na Internet;
  17. Não registar ou não conservar a denúncia recebida pelo período mínimo de cinco anos ou durante a pendência de processos judiciais ou administrativos pertinentes à denúncia recebida;
  18. Registar as denúncias através dos meios nos nºs 3 e 5 do artigo 20º, sem consentimento do denunciante;
  19. Não permitir ao denunciante ver, retificar ou aprovar a transcrição ou ata da comunicação ou da reunião.